sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Trecho do livro O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?
(Fernando Gabeira).
Afinal, o que fora aquilo? O sequestro se deu muito ra­pidamente. Na parte da manhã, nada. Na parte da tarde, o carro apareceu na hora exata. Antes passou um outro carro negro do corpo diplomático. O olheiro esteve a pique de fazer o sinal e desfechar a ação. Uma vez feito o sinal, nada mais interromperia o curso das coisas. O olheiro viu, entre­tanto, que o carro negro que se aproximava tinha uma ban­deira. E no carro do americano já não usavam mais bandei­ra. Pelo menos isso tinha dito o chefe da segurança, quando namorava Vera. O olheiro se intrigou e decidiu esperar um segundo mais. Foi o bastante para perceber que o carro era do embaixador de Portugal. Ufa, deixei praticamente a piz­za cair na mesa. íamos nos enganar de século.
O motorista do embaixador não chegou a perceber tu­do. O que ele viu foi um carro barrando sua passagem na rua Marques. Ele parou e já apontavam uma pistola contra sua cabeça, enquanto dois homens entravam no banco de trás e dominavam o embaixador. O motorista foi empurrado para o lado direito, seu quepe foi arrancado e imediatamente en­terrado na cabeça do jovem, que agora iria dirigir o Cadillac e partir a todo vapor. Para onde? Quase ninguém viu a ope­ração. Nem dona Elba Sotomayor, mulher de um oficial da Marinha, que estava preocupada com o movimento na rua. Ela chegara a telefonar para a polícia pois o preço da liber­dade é a eterna vigilância. A polícia perguntara de que se tratava e dona Elba disse que havia um carro parecendo rou­bado. Pediram a placa, ela leu a placa e eles responderam do outro lado da linha: "Tudo bem. É um carro legal".
O forte golpe* que o embaixador recebeu na cabeça se deu no momento do transbordo. Ele foi retirado para a kombi e julgou que ia ser morto ali mesmo. Ele tentou se mexer e um dos companheiros que o mantinham pensou que que­ria fugir e golpeou sua cabeça. Foi horrível para todos nós, sobretudo para o companheiro que o golpeou. Sempre que podia, ele queria saber notícias, se sentia dores na cabeça, se ainda sangrava. Tudo aconteceu porque estavam nervo­sos, e nada mais natural do que estar nervoso ali, no mo­mento do transbordo, quando ele seria enfiado num saco e a kombi rumaria para a Barão de Petrópolis, tendo diante de si um grande obstáculo: o túnel Rebouças. Todos podem imaginar que entrar no túnel foi muito fácil, mas foram quatro quilómetros de ansiedade sobre o destino que encon­trariam ao sair do túnel.

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